(a parte 1 tá aqui, ó!)
Almoçou radiante. Conversou com todo mundo. Tomou seu suco de maracujá. Contou com calma e controle da viagem da mulher para a copeira, que se ria. Ri do que? Da cara de quem? Ela também sabia. Todo mundo sabia. Tava dois a um pro destino. Todo mundo sabia, só ele insistia em não acreditar nos sinais. Tentou distrair-se, riu-se nervosamente e abriu o jornal. Algum sangue, algumas descobertas científicas. Corte de juros, mudanças na tributação da poupança e dos fundos de investimento. Tiraria vantagem disso, tudo em renda fixa mesmo. Epidemia, pandemia, máscaras. Tudo bobagem. Chegou na página das bobeiras mais bobas de todas. E lá estava o horóscopo. Impossível não ler tamanha bobagem. O cara escreve um monte de frases soltas, depois sorteia uma por uma e cola aí. “Dia propenso a frustrações. Mantenha a calma e evite se irritar”. Ainda bem que era uma babaquice. Apenas gente pobre e burra acreditava nessa estupidez de horóscopo. Coisa pra semi-analfabeto. Fechou o jornal. Abriu de novo. Só uma espiadela no signo da mulher. Tudo bobagem mesmo. “Abra-se para novidades. Ficar presa ao passado não vai levar a nada”. TUDO BOBAGEM, INFERNO! Não tinha porque se preocupar. Era só horóscopo. Só frases medíocres escritas por um otário para enlouquecer os outros.
Voltou ao trabalho com um nó na garganta. Não conseguiu fazer nada. Leu dezenas de horóscopos em dezenas de sites. Tudo baboseira. Procurou por serviços de detetive. Sigilo absoluto. Pagamento apenas após a entrega das provas. Câmera espião. Convênio com motéis. Não teve coragem de ligar em nenhum. O que diria? Acho que sou corno, você pode me ajudar? Cada minuto demorava horas para passar. E os sinais pulavam por todos os lados. Se houver notícia sobre a epidemia na página inicial, ela não tá me traindo. Se não tiver, ela tá. Nada de notícia. Em três sites diferentes. Talvez já não estivesse mais acontecendo. Jornais impressos sempre estão atrasados. O assunto do momento era outro. Era isso. Ela jamais o trairia. JAMAIS. Não com o amigo. A Fabiana e o amigo? NUNCA. Podia voar praquele lugar naquele segundo, só pra enforcar os dois e depois se jogar de alguma ponte. Mas não. Era tudo coisa da sua cabeça. Tava tudo bem. Amanhã ela ligaria, pediria para buscá-la no aeroporto e estaria sedenta por sua boca e ansiosa pelos seus braços e entrariam em qualquer motel de beira de estrada mesmo. E o moleque que ficasse esperando. Eles passariam a noite se amando. No meio da noite, ela dormindo, ele olhando. Veria uma mancha na nádega. Teria sido ele? Não, nunca deixou marca. Não assim. E sufocaria ela com o travesseiro ali mesmo e fugiria pra algum lugar longe e se esconderia para sempre. Da polícia e da sua consciência.
Estava na hora de ir embora. Mais uma tentativa com o elevador. A última, depois, pararia com bobagem. Se o elevador viesse de cima, ela estava traindo, se de baixo, não estaria. Alguém no 12º andar não gostava dele. MALDIÇÃO. Era melhor que o elevador despencasse. Que se fodessem todos ali dentro. Tinham todos vidas medíocres mesmo. Ninguém sentiria falta de viver num mundo como esse. Muito menos ele. Que por anos e anos achou que era feliz e agora, veja só, e agora descobria que sua vida era tão mesquinha como a de todos aqueles pobres infelizes e sem sorte ao seu lado. Que despencasse: corno merece morrer.
Dirigiu desesperado para a escola. Pegou o moleque sem nem olhá-lo na cara. Bufava raivoso. O moleque queria saber o que tava acontecendo, por que tantas fechadas, por que passar nos faróis vermelhos. Por alguns segundos pensou em contar tudo para ele, que a mãe não prestava, que nunca havia prestado, que tinha fugido com o melhor amigo, que torcia pra que ela nunca mais voltasse, que seria capaz de matá-la e matá-lo e depois matar-se a si mesmo. Mas encarou o menino enquanto pensava isso e tal qual o casmurro (por que diabos havia lido esse livro uma vez na vida?) viu em seu rosto os traços do amigo. Parou o carro na frente do prédio. Mandou o moleque subir. Ia comprar cigarros, voltava logo. O moleque subiu estranhando aquele pai que não conhecia.
Parou o carro na rua. Atravessou. Entrou na banca de jornal e pediu um maço do mais forte. Acendeu um. Fumou inteiro. Acendeu outro. Fumou inteiro. Apagou o terceiro na metade. Atravessou a rua e parou ao lado do carro. Acendeu o quarto cigarro e decidiu ligar. Apagou o cigarro na palma da mão e procurou o telefone da mulher na agenda do celular. Tomou o cuidado de colocar o celular no modo restrito. Ela não saberia quem estava ligando. Depois inventaria uma desculpa para se justificar. Apertou o botão verde e, com o coração batendo no hipotálamo, ouviu um, dois, três toques. Atendeu. A voz era grave demais. Conhecida demais. E aquilo doeu demais. Tudo o que não esperava era ouvir a voz do melhor amigo do outro lado do telefone. Vagabunda. Desgraçado. Traidores malditos. Pensou no que fazer. Pegar o avião. Comprar uma faca e ir buscá-los no aeroporto. Picaria os dois no caminho para casa e depois enfiaria o carro embaixo de algum caminhão. Não, sangrento demais. Melhor seria espancá-los até a morte e depois, sim, jogar o carro embaixo de algum caminhão. Livrar-se-ia da raiva antes de morrer, pelo menos. Melhor ainda, compraria um revólver. Daria vários tiros em cada um. Mas não mortais. Só para ferir. E os deixaria agonizando em alguma estradinha perdida. Depois, atiraria o carro de uma ponte. Pensou melhor, poderiam ser resgatados, não tinha graça. Do outro lado da linha, o amigo tinha cansado de dizer alô e ele nem reparara que a ligação havia terminado há alguns segundos. Pensou em todos os tipos possíveis de morte. Pensou em mutilação. Pensou, pensou. Passara todo o dia, só pensando. Talvez fosse melhor deixar pra lá. Fingir que nada acontecera. Deixar a vida seguir seu caminho, até ela pedir a separação. Jamais saberiam que ele sabia. Poderiam viver de aparências. Ele transaria com a mulher depois de ela transar com o outro. Mas não ligaria. Afinal, melhor amigo, não haveria problema.
Ou haveria. Jogou o celular e a chave do carro na calçada. Tomara a decisão mais difícil de sua vida: o problema era ele, estava com ele. Era ele quem ainda a amava, quem ainda a desejava. Não era justo estragar aquele amor que surgia. Era um bom homem, tinha um bom coração. Não precisava sofrer daquele jeito e não precisava de amor, de casa ou bens materiais para continuar vivendo. Largou tudo o que já tivera e decidiu seguir sua vida. Errando pelas ruas da cidade.
Não voltou para pegar o celular e não teve tempo de perceber que, no desespero de seu amor, havia ligado por engano para o celular de seu melhor amigo.
13 de mai. de 2009
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