13 de mai. de 2009

traição - parte 1

Acordou mal na primeira noite que dormira sozinho desde que se casara com a mulher perfeita. Sempre soube que ela era perfeita, desde a primeira vez em que se olharam nos olhos. Gostavam das mesmas coisas, falavam sobre todos os assuntos, ela era gostosa pra caralho, torciam pro mesmo time. Sim, era a mulher perfeita. Mas agora resolvera viajar a trabalho. Maldito novo emprego que os tornou tão distantes. A tal viagem tinha mexido com seus nervos. Dormira mal e tivera um pesadelo. Terrível: a mulher e o melhor amigo, tal qual no casmurro do grande mestre. Devia ter dormido pensando demais nisso. Aquela cama vazia de um lado lhe dava coisas. Mas era só isso, tinha pensado demais e acabou sonhando. Como diria o Freud, o sonho é a realização disfarçada de um desejo reprimido. Ou de um medo reprimido. Sim, era só sonho e já estava na hora de acordar o moleque pra se arrumar e ir pra escola.
Entrou no banho pensando nela. Será que já tinha acordado? Será que já tinha ido pro congresso? Será que não havia quartos separados e tinham colocado ela pra dormir com o Fábio? Afinal, melhor amigo do marido, não haveria problema. Pensamentos surgidos do inferno. Tentou controlá-los, impossível. De repente, foi atraído pela imagem estranha: aquele cabelo ali, aquela cor. Não era o dele, não era o dela. E o guri só tomava banho no seu próprio banheiro. Pensou na mulher sozinha arrumando as malas em casa, no dia anterior. Sozinha. De repente, ele chega, oferece uma ajuda. Ela pega as lingeries. Ela, gostosa pra caralho. Descontrole. Enfiam-se no chuveiro. Esquece o fio de cabelo grudado na parede. Ninguém repara. O marido enganado jamais desconfiaria.
Enxuga-se irritado com os próprios pensamentos. Imagina trazer alguém aqui. Porteiro veria, vizinhos veriam, gente fofoqueira e todos ficariam sabendo. Não se arriscaria assim. Mas ele, melhor amigo do marido, não haveria problema. Bobagens, pensamentos estúpidos. Ela era incapaz, mulher dedicada. Sentia-se descontrolado, pensando imagens, ouvindo sons. Mas tentava centrar-se.
Foi para a copa, onde o menino tomava café ouvindo uma dessas rádios de adolescente, cheias de música ruim e com piadinhas idiotas no intervalo. Essa era um trote. Alguém cujo apelido era alce. Insinuações de que a mulher o traia. A cidade toda sabia, menos o alce. Desligou o rádio irritado e mandou o moleque engolir o leite e ir chamando o elevador. Pegou o terno no quarto e sentiu o cheiro da mulher por todos os lados. Ele, o alce. Não, ele o paranóico, o obcecado. Ela, a dedicação em pessoa. Jamais faria isso pra ele, ainda mais pro filho, que, xingando, segurava a porta do elevador.
Largou o filho na porta da escola e dirigiu pro trabalho.
Só pensava nela. Jamais imaginou sentir-se assim. Achou que ia ser uma folga, um momento pra ficar sozinho e curtir. Talvez pôquer com os amigos, talvez futebol, quem sabe, até sinuca. Mas era pura obceção. Não tinha cabeça pra nada, nem pra enxergar o motoboy pelo retrovisor. “Corno!”. Até o motoboy sabia. Eram sinais demais, o sonho, o cabelo, a rádio, agora o motoboy. Até o casal no outdoor lembrava a mulher nos braços de outro. E aquele outro formava a silhueta do amigo. Pra que ele tinha que ter arrumado aquele emprego pra ela? Ficaria bem cuidando da casa. Não precisavam de dinheiro. Talvez já estivesse tudo combinado. Como tinha sido estúpido de cair naquela história de independência.
Entrou no estacionamento e, mais uma vez, tentou limpar os pensamentos. Era só coisa da sua cabeça. Quantos pensamentos idiotas. Balançou a cabeça negativamente e num relance viu um carro igual ao da mulher: mesmo modelo, mesma cor, mesmo adesivo da mesma concessionária. Encostado nele, um jovem casal se despedia calorosamente para começar mais um dia de trabalho. Desviou enfurecido da cena: maldita molecada sem escrúpulos. Ali era lugar? Putaria tem hora e lugar. E estacionamento de manhã não era lugar, nem hora.
Resolve fazer um teste. Sempre dava certo quando criança. Se o elevador já estiver no térreo, tá traindo. Se não estiver, num tá. Ganhou a bola de natal assim. Se o cachorro estivesse esperando no portão, ganharia, se não estivesse, não ganharia. Estava. O cachorro e o elevador. O coração apertado. Uma vontade de sumir, de sair andando e nunca mais voltar pra casa, olhar praquela cara de vadia. Ou voltar, enchê-la de porrada. Ela e o vagabundo traíra do caralho do amigo. Melhor amigo de bunda é pênis. Balançou a cabeça e virou os olhos vermelhos para os lados. Estava descontrolado. Onde já se viu acreditar numa coisa dessas? O elevador determinando a sua vida? Precisava se acalmar. Talvez pedir um suco de maracujá. Era tudo bobagem da sua cabeça.
Tentou trabalhar tranquilamente. Era impossível com tantos comentários. Parece que na novela das 8 um cara tinha descoberto que a mulher o traía. Perdoou a vagabunda. Ele jamais perdoaria. Podia ser a mais gostosa do mundo. Não perdoaria. Era outro sinal? Não, era bobagem. Novela não tem nada a ver com vida. Nem são baseadas em fatos reais. E só gente ignorante associa aquele monte de gente milionária com a sua relez condição de vida. Jamais poderia fazer tal associação.
Resolveu testar mais uma vez, talvez dessa vez tivesse sorte: se o chefe o chamasse pra almoçar, ela não estava traindo. Se não chamasse, estava. Todos os dias ele chamava pra almoçar. Impossível dar errado. Algum tempo depois o chefe avisou que precisava ir à reunião da escola do filho, talvez demorasse. Ele resolveu almoçar por ali mesmo. Pediria alguma coisa e leria o jornal. Antes de pular da janela do 11º andar.
Mais uma chance de testar a sorte, duas tudo bem, três, impossível. Ela era mulher de bem e tinha tudo em casa. Transavam divinamente. Ou diabolicamente, pensou sorrindo um riso diabólico. Não tinha motivo e tudo era bobagem de sua cabeça. Se o almoço chegasse em mais de meia hora, estava tudo certo. Ele não era traído e ela não era vaca. Se em menos tempo, tiro na cabeça. Dele, dela e do outro. Alguém já viu almoço chegar em menos de meia hora na avenida mais comercial da maior cidade da América Latina, ao meio dia? O almoço chegou quase uma hora depois. Estava tudo bem. Ela realmente era incapaz de traí-lo.
(continua...)

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