minha palavra é fogo
incontrolavelmente saindo de mim
não se pode conter o ódio, a dor, a raiva
minhas palavras ardem em críticas àquilo que poucos são capazes de enxergar
o cinza da realidade
o negro das boas intenções
a maldade iminente do ser-humano
minha palavra é água
transbordando meus pensamentos e invadindo os seus ouvidos
não posso conter os rios de destruição que jorram em minha mente
minhas palavras são aquilo que você ignorar
são tragédias, são maldades, são realidades
e não adianta tentar me represar
minhas palavras são avassaladoras
são palavras de ódio por olhar para os lados e ver tanta gente ignorante
são palavras de dor por olhar para os lados e ver tanta gente limitada
são palavras de raiva por olhar para os lados e ver tanta gente medíocre
minhas palavras são carregadas de imagens daquilo que você não quer ver
me desculpe se te queimo com o que digo
você não enxerga e eu estou aqui para queimar seus olhos com o ardor da sua própria ignorância
me desculpe se te inundo com o que profiro
você vive num mundo que não existe e eu estou aqui para afogá-lo na mais dura e cruel realidade
você não é nada
nós não somos ninguém
o mundo é só dor
e não temos a quem recorrer
25 de mai. de 2009
13 de mai. de 2009
traição - parte 2
(a parte 1 tá aqui, ó!)
Almoçou radiante. Conversou com todo mundo. Tomou seu suco de maracujá. Contou com calma e controle da viagem da mulher para a copeira, que se ria. Ri do que? Da cara de quem? Ela também sabia. Todo mundo sabia. Tava dois a um pro destino. Todo mundo sabia, só ele insistia em não acreditar nos sinais. Tentou distrair-se, riu-se nervosamente e abriu o jornal. Algum sangue, algumas descobertas científicas. Corte de juros, mudanças na tributação da poupança e dos fundos de investimento. Tiraria vantagem disso, tudo em renda fixa mesmo. Epidemia, pandemia, máscaras. Tudo bobagem. Chegou na página das bobeiras mais bobas de todas. E lá estava o horóscopo. Impossível não ler tamanha bobagem. O cara escreve um monte de frases soltas, depois sorteia uma por uma e cola aí. “Dia propenso a frustrações. Mantenha a calma e evite se irritar”. Ainda bem que era uma babaquice. Apenas gente pobre e burra acreditava nessa estupidez de horóscopo. Coisa pra semi-analfabeto. Fechou o jornal. Abriu de novo. Só uma espiadela no signo da mulher. Tudo bobagem mesmo. “Abra-se para novidades. Ficar presa ao passado não vai levar a nada”. TUDO BOBAGEM, INFERNO! Não tinha porque se preocupar. Era só horóscopo. Só frases medíocres escritas por um otário para enlouquecer os outros.
Voltou ao trabalho com um nó na garganta. Não conseguiu fazer nada. Leu dezenas de horóscopos em dezenas de sites. Tudo baboseira. Procurou por serviços de detetive. Sigilo absoluto. Pagamento apenas após a entrega das provas. Câmera espião. Convênio com motéis. Não teve coragem de ligar em nenhum. O que diria? Acho que sou corno, você pode me ajudar? Cada minuto demorava horas para passar. E os sinais pulavam por todos os lados. Se houver notícia sobre a epidemia na página inicial, ela não tá me traindo. Se não tiver, ela tá. Nada de notícia. Em três sites diferentes. Talvez já não estivesse mais acontecendo. Jornais impressos sempre estão atrasados. O assunto do momento era outro. Era isso. Ela jamais o trairia. JAMAIS. Não com o amigo. A Fabiana e o amigo? NUNCA. Podia voar praquele lugar naquele segundo, só pra enforcar os dois e depois se jogar de alguma ponte. Mas não. Era tudo coisa da sua cabeça. Tava tudo bem. Amanhã ela ligaria, pediria para buscá-la no aeroporto e estaria sedenta por sua boca e ansiosa pelos seus braços e entrariam em qualquer motel de beira de estrada mesmo. E o moleque que ficasse esperando. Eles passariam a noite se amando. No meio da noite, ela dormindo, ele olhando. Veria uma mancha na nádega. Teria sido ele? Não, nunca deixou marca. Não assim. E sufocaria ela com o travesseiro ali mesmo e fugiria pra algum lugar longe e se esconderia para sempre. Da polícia e da sua consciência.
Estava na hora de ir embora. Mais uma tentativa com o elevador. A última, depois, pararia com bobagem. Se o elevador viesse de cima, ela estava traindo, se de baixo, não estaria. Alguém no 12º andar não gostava dele. MALDIÇÃO. Era melhor que o elevador despencasse. Que se fodessem todos ali dentro. Tinham todos vidas medíocres mesmo. Ninguém sentiria falta de viver num mundo como esse. Muito menos ele. Que por anos e anos achou que era feliz e agora, veja só, e agora descobria que sua vida era tão mesquinha como a de todos aqueles pobres infelizes e sem sorte ao seu lado. Que despencasse: corno merece morrer.
Dirigiu desesperado para a escola. Pegou o moleque sem nem olhá-lo na cara. Bufava raivoso. O moleque queria saber o que tava acontecendo, por que tantas fechadas, por que passar nos faróis vermelhos. Por alguns segundos pensou em contar tudo para ele, que a mãe não prestava, que nunca havia prestado, que tinha fugido com o melhor amigo, que torcia pra que ela nunca mais voltasse, que seria capaz de matá-la e matá-lo e depois matar-se a si mesmo. Mas encarou o menino enquanto pensava isso e tal qual o casmurro (por que diabos havia lido esse livro uma vez na vida?) viu em seu rosto os traços do amigo. Parou o carro na frente do prédio. Mandou o moleque subir. Ia comprar cigarros, voltava logo. O moleque subiu estranhando aquele pai que não conhecia.
Parou o carro na rua. Atravessou. Entrou na banca de jornal e pediu um maço do mais forte. Acendeu um. Fumou inteiro. Acendeu outro. Fumou inteiro. Apagou o terceiro na metade. Atravessou a rua e parou ao lado do carro. Acendeu o quarto cigarro e decidiu ligar. Apagou o cigarro na palma da mão e procurou o telefone da mulher na agenda do celular. Tomou o cuidado de colocar o celular no modo restrito. Ela não saberia quem estava ligando. Depois inventaria uma desculpa para se justificar. Apertou o botão verde e, com o coração batendo no hipotálamo, ouviu um, dois, três toques. Atendeu. A voz era grave demais. Conhecida demais. E aquilo doeu demais. Tudo o que não esperava era ouvir a voz do melhor amigo do outro lado do telefone. Vagabunda. Desgraçado. Traidores malditos. Pensou no que fazer. Pegar o avião. Comprar uma faca e ir buscá-los no aeroporto. Picaria os dois no caminho para casa e depois enfiaria o carro embaixo de algum caminhão. Não, sangrento demais. Melhor seria espancá-los até a morte e depois, sim, jogar o carro embaixo de algum caminhão. Livrar-se-ia da raiva antes de morrer, pelo menos. Melhor ainda, compraria um revólver. Daria vários tiros em cada um. Mas não mortais. Só para ferir. E os deixaria agonizando em alguma estradinha perdida. Depois, atiraria o carro de uma ponte. Pensou melhor, poderiam ser resgatados, não tinha graça. Do outro lado da linha, o amigo tinha cansado de dizer alô e ele nem reparara que a ligação havia terminado há alguns segundos. Pensou em todos os tipos possíveis de morte. Pensou em mutilação. Pensou, pensou. Passara todo o dia, só pensando. Talvez fosse melhor deixar pra lá. Fingir que nada acontecera. Deixar a vida seguir seu caminho, até ela pedir a separação. Jamais saberiam que ele sabia. Poderiam viver de aparências. Ele transaria com a mulher depois de ela transar com o outro. Mas não ligaria. Afinal, melhor amigo, não haveria problema.
Ou haveria. Jogou o celular e a chave do carro na calçada. Tomara a decisão mais difícil de sua vida: o problema era ele, estava com ele. Era ele quem ainda a amava, quem ainda a desejava. Não era justo estragar aquele amor que surgia. Era um bom homem, tinha um bom coração. Não precisava sofrer daquele jeito e não precisava de amor, de casa ou bens materiais para continuar vivendo. Largou tudo o que já tivera e decidiu seguir sua vida. Errando pelas ruas da cidade.
Não voltou para pegar o celular e não teve tempo de perceber que, no desespero de seu amor, havia ligado por engano para o celular de seu melhor amigo.
Almoçou radiante. Conversou com todo mundo. Tomou seu suco de maracujá. Contou com calma e controle da viagem da mulher para a copeira, que se ria. Ri do que? Da cara de quem? Ela também sabia. Todo mundo sabia. Tava dois a um pro destino. Todo mundo sabia, só ele insistia em não acreditar nos sinais. Tentou distrair-se, riu-se nervosamente e abriu o jornal. Algum sangue, algumas descobertas científicas. Corte de juros, mudanças na tributação da poupança e dos fundos de investimento. Tiraria vantagem disso, tudo em renda fixa mesmo. Epidemia, pandemia, máscaras. Tudo bobagem. Chegou na página das bobeiras mais bobas de todas. E lá estava o horóscopo. Impossível não ler tamanha bobagem. O cara escreve um monte de frases soltas, depois sorteia uma por uma e cola aí. “Dia propenso a frustrações. Mantenha a calma e evite se irritar”. Ainda bem que era uma babaquice. Apenas gente pobre e burra acreditava nessa estupidez de horóscopo. Coisa pra semi-analfabeto. Fechou o jornal. Abriu de novo. Só uma espiadela no signo da mulher. Tudo bobagem mesmo. “Abra-se para novidades. Ficar presa ao passado não vai levar a nada”. TUDO BOBAGEM, INFERNO! Não tinha porque se preocupar. Era só horóscopo. Só frases medíocres escritas por um otário para enlouquecer os outros.
Voltou ao trabalho com um nó na garganta. Não conseguiu fazer nada. Leu dezenas de horóscopos em dezenas de sites. Tudo baboseira. Procurou por serviços de detetive. Sigilo absoluto. Pagamento apenas após a entrega das provas. Câmera espião. Convênio com motéis. Não teve coragem de ligar em nenhum. O que diria? Acho que sou corno, você pode me ajudar? Cada minuto demorava horas para passar. E os sinais pulavam por todos os lados. Se houver notícia sobre a epidemia na página inicial, ela não tá me traindo. Se não tiver, ela tá. Nada de notícia. Em três sites diferentes. Talvez já não estivesse mais acontecendo. Jornais impressos sempre estão atrasados. O assunto do momento era outro. Era isso. Ela jamais o trairia. JAMAIS. Não com o amigo. A Fabiana e o amigo? NUNCA. Podia voar praquele lugar naquele segundo, só pra enforcar os dois e depois se jogar de alguma ponte. Mas não. Era tudo coisa da sua cabeça. Tava tudo bem. Amanhã ela ligaria, pediria para buscá-la no aeroporto e estaria sedenta por sua boca e ansiosa pelos seus braços e entrariam em qualquer motel de beira de estrada mesmo. E o moleque que ficasse esperando. Eles passariam a noite se amando. No meio da noite, ela dormindo, ele olhando. Veria uma mancha na nádega. Teria sido ele? Não, nunca deixou marca. Não assim. E sufocaria ela com o travesseiro ali mesmo e fugiria pra algum lugar longe e se esconderia para sempre. Da polícia e da sua consciência.
Estava na hora de ir embora. Mais uma tentativa com o elevador. A última, depois, pararia com bobagem. Se o elevador viesse de cima, ela estava traindo, se de baixo, não estaria. Alguém no 12º andar não gostava dele. MALDIÇÃO. Era melhor que o elevador despencasse. Que se fodessem todos ali dentro. Tinham todos vidas medíocres mesmo. Ninguém sentiria falta de viver num mundo como esse. Muito menos ele. Que por anos e anos achou que era feliz e agora, veja só, e agora descobria que sua vida era tão mesquinha como a de todos aqueles pobres infelizes e sem sorte ao seu lado. Que despencasse: corno merece morrer.
Dirigiu desesperado para a escola. Pegou o moleque sem nem olhá-lo na cara. Bufava raivoso. O moleque queria saber o que tava acontecendo, por que tantas fechadas, por que passar nos faróis vermelhos. Por alguns segundos pensou em contar tudo para ele, que a mãe não prestava, que nunca havia prestado, que tinha fugido com o melhor amigo, que torcia pra que ela nunca mais voltasse, que seria capaz de matá-la e matá-lo e depois matar-se a si mesmo. Mas encarou o menino enquanto pensava isso e tal qual o casmurro (por que diabos havia lido esse livro uma vez na vida?) viu em seu rosto os traços do amigo. Parou o carro na frente do prédio. Mandou o moleque subir. Ia comprar cigarros, voltava logo. O moleque subiu estranhando aquele pai que não conhecia.
Parou o carro na rua. Atravessou. Entrou na banca de jornal e pediu um maço do mais forte. Acendeu um. Fumou inteiro. Acendeu outro. Fumou inteiro. Apagou o terceiro na metade. Atravessou a rua e parou ao lado do carro. Acendeu o quarto cigarro e decidiu ligar. Apagou o cigarro na palma da mão e procurou o telefone da mulher na agenda do celular. Tomou o cuidado de colocar o celular no modo restrito. Ela não saberia quem estava ligando. Depois inventaria uma desculpa para se justificar. Apertou o botão verde e, com o coração batendo no hipotálamo, ouviu um, dois, três toques. Atendeu. A voz era grave demais. Conhecida demais. E aquilo doeu demais. Tudo o que não esperava era ouvir a voz do melhor amigo do outro lado do telefone. Vagabunda. Desgraçado. Traidores malditos. Pensou no que fazer. Pegar o avião. Comprar uma faca e ir buscá-los no aeroporto. Picaria os dois no caminho para casa e depois enfiaria o carro embaixo de algum caminhão. Não, sangrento demais. Melhor seria espancá-los até a morte e depois, sim, jogar o carro embaixo de algum caminhão. Livrar-se-ia da raiva antes de morrer, pelo menos. Melhor ainda, compraria um revólver. Daria vários tiros em cada um. Mas não mortais. Só para ferir. E os deixaria agonizando em alguma estradinha perdida. Depois, atiraria o carro de uma ponte. Pensou melhor, poderiam ser resgatados, não tinha graça. Do outro lado da linha, o amigo tinha cansado de dizer alô e ele nem reparara que a ligação havia terminado há alguns segundos. Pensou em todos os tipos possíveis de morte. Pensou em mutilação. Pensou, pensou. Passara todo o dia, só pensando. Talvez fosse melhor deixar pra lá. Fingir que nada acontecera. Deixar a vida seguir seu caminho, até ela pedir a separação. Jamais saberiam que ele sabia. Poderiam viver de aparências. Ele transaria com a mulher depois de ela transar com o outro. Mas não ligaria. Afinal, melhor amigo, não haveria problema.
Ou haveria. Jogou o celular e a chave do carro na calçada. Tomara a decisão mais difícil de sua vida: o problema era ele, estava com ele. Era ele quem ainda a amava, quem ainda a desejava. Não era justo estragar aquele amor que surgia. Era um bom homem, tinha um bom coração. Não precisava sofrer daquele jeito e não precisava de amor, de casa ou bens materiais para continuar vivendo. Largou tudo o que já tivera e decidiu seguir sua vida. Errando pelas ruas da cidade.
Não voltou para pegar o celular e não teve tempo de perceber que, no desespero de seu amor, havia ligado por engano para o celular de seu melhor amigo.
traição - parte 1
Acordou mal na primeira noite que dormira sozinho desde que se casara com a mulher perfeita. Sempre soube que ela era perfeita, desde a primeira vez em que se olharam nos olhos. Gostavam das mesmas coisas, falavam sobre todos os assuntos, ela era gostosa pra caralho, torciam pro mesmo time. Sim, era a mulher perfeita. Mas agora resolvera viajar a trabalho. Maldito novo emprego que os tornou tão distantes. A tal viagem tinha mexido com seus nervos. Dormira mal e tivera um pesadelo. Terrível: a mulher e o melhor amigo, tal qual no casmurro do grande mestre. Devia ter dormido pensando demais nisso. Aquela cama vazia de um lado lhe dava coisas. Mas era só isso, tinha pensado demais e acabou sonhando. Como diria o Freud, o sonho é a realização disfarçada de um desejo reprimido. Ou de um medo reprimido. Sim, era só sonho e já estava na hora de acordar o moleque pra se arrumar e ir pra escola.
Entrou no banho pensando nela. Será que já tinha acordado? Será que já tinha ido pro congresso? Será que não havia quartos separados e tinham colocado ela pra dormir com o Fábio? Afinal, melhor amigo do marido, não haveria problema. Pensamentos surgidos do inferno. Tentou controlá-los, impossível. De repente, foi atraído pela imagem estranha: aquele cabelo ali, aquela cor. Não era o dele, não era o dela. E o guri só tomava banho no seu próprio banheiro. Pensou na mulher sozinha arrumando as malas em casa, no dia anterior. Sozinha. De repente, ele chega, oferece uma ajuda. Ela pega as lingeries. Ela, gostosa pra caralho. Descontrole. Enfiam-se no chuveiro. Esquece o fio de cabelo grudado na parede. Ninguém repara. O marido enganado jamais desconfiaria.
Enxuga-se irritado com os próprios pensamentos. Imagina trazer alguém aqui. Porteiro veria, vizinhos veriam, gente fofoqueira e todos ficariam sabendo. Não se arriscaria assim. Mas ele, melhor amigo do marido, não haveria problema. Bobagens, pensamentos estúpidos. Ela era incapaz, mulher dedicada. Sentia-se descontrolado, pensando imagens, ouvindo sons. Mas tentava centrar-se.
Foi para a copa, onde o menino tomava café ouvindo uma dessas rádios de adolescente, cheias de música ruim e com piadinhas idiotas no intervalo. Essa era um trote. Alguém cujo apelido era alce. Insinuações de que a mulher o traia. A cidade toda sabia, menos o alce. Desligou o rádio irritado e mandou o moleque engolir o leite e ir chamando o elevador. Pegou o terno no quarto e sentiu o cheiro da mulher por todos os lados. Ele, o alce. Não, ele o paranóico, o obcecado. Ela, a dedicação em pessoa. Jamais faria isso pra ele, ainda mais pro filho, que, xingando, segurava a porta do elevador.
Largou o filho na porta da escola e dirigiu pro trabalho.
Só pensava nela. Jamais imaginou sentir-se assim. Achou que ia ser uma folga, um momento pra ficar sozinho e curtir. Talvez pôquer com os amigos, talvez futebol, quem sabe, até sinuca. Mas era pura obceção. Não tinha cabeça pra nada, nem pra enxergar o motoboy pelo retrovisor. “Corno!”. Até o motoboy sabia. Eram sinais demais, o sonho, o cabelo, a rádio, agora o motoboy. Até o casal no outdoor lembrava a mulher nos braços de outro. E aquele outro formava a silhueta do amigo. Pra que ele tinha que ter arrumado aquele emprego pra ela? Ficaria bem cuidando da casa. Não precisavam de dinheiro. Talvez já estivesse tudo combinado. Como tinha sido estúpido de cair naquela história de independência.
Entrou no estacionamento e, mais uma vez, tentou limpar os pensamentos. Era só coisa da sua cabeça. Quantos pensamentos idiotas. Balançou a cabeça negativamente e num relance viu um carro igual ao da mulher: mesmo modelo, mesma cor, mesmo adesivo da mesma concessionária. Encostado nele, um jovem casal se despedia calorosamente para começar mais um dia de trabalho. Desviou enfurecido da cena: maldita molecada sem escrúpulos. Ali era lugar? Putaria tem hora e lugar. E estacionamento de manhã não era lugar, nem hora.
Resolve fazer um teste. Sempre dava certo quando criança. Se o elevador já estiver no térreo, tá traindo. Se não estiver, num tá. Ganhou a bola de natal assim. Se o cachorro estivesse esperando no portão, ganharia, se não estivesse, não ganharia. Estava. O cachorro e o elevador. O coração apertado. Uma vontade de sumir, de sair andando e nunca mais voltar pra casa, olhar praquela cara de vadia. Ou voltar, enchê-la de porrada. Ela e o vagabundo traíra do caralho do amigo. Melhor amigo de bunda é pênis. Balançou a cabeça e virou os olhos vermelhos para os lados. Estava descontrolado. Onde já se viu acreditar numa coisa dessas? O elevador determinando a sua vida? Precisava se acalmar. Talvez pedir um suco de maracujá. Era tudo bobagem da sua cabeça.
Tentou trabalhar tranquilamente. Era impossível com tantos comentários. Parece que na novela das 8 um cara tinha descoberto que a mulher o traía. Perdoou a vagabunda. Ele jamais perdoaria. Podia ser a mais gostosa do mundo. Não perdoaria. Era outro sinal? Não, era bobagem. Novela não tem nada a ver com vida. Nem são baseadas em fatos reais. E só gente ignorante associa aquele monte de gente milionária com a sua relez condição de vida. Jamais poderia fazer tal associação.
Resolveu testar mais uma vez, talvez dessa vez tivesse sorte: se o chefe o chamasse pra almoçar, ela não estava traindo. Se não chamasse, estava. Todos os dias ele chamava pra almoçar. Impossível dar errado. Algum tempo depois o chefe avisou que precisava ir à reunião da escola do filho, talvez demorasse. Ele resolveu almoçar por ali mesmo. Pediria alguma coisa e leria o jornal. Antes de pular da janela do 11º andar.
Mais uma chance de testar a sorte, duas tudo bem, três, impossível. Ela era mulher de bem e tinha tudo em casa. Transavam divinamente. Ou diabolicamente, pensou sorrindo um riso diabólico. Não tinha motivo e tudo era bobagem de sua cabeça. Se o almoço chegasse em mais de meia hora, estava tudo certo. Ele não era traído e ela não era vaca. Se em menos tempo, tiro na cabeça. Dele, dela e do outro. Alguém já viu almoço chegar em menos de meia hora na avenida mais comercial da maior cidade da América Latina, ao meio dia? O almoço chegou quase uma hora depois. Estava tudo bem. Ela realmente era incapaz de traí-lo.
(continua...)
Entrou no banho pensando nela. Será que já tinha acordado? Será que já tinha ido pro congresso? Será que não havia quartos separados e tinham colocado ela pra dormir com o Fábio? Afinal, melhor amigo do marido, não haveria problema. Pensamentos surgidos do inferno. Tentou controlá-los, impossível. De repente, foi atraído pela imagem estranha: aquele cabelo ali, aquela cor. Não era o dele, não era o dela. E o guri só tomava banho no seu próprio banheiro. Pensou na mulher sozinha arrumando as malas em casa, no dia anterior. Sozinha. De repente, ele chega, oferece uma ajuda. Ela pega as lingeries. Ela, gostosa pra caralho. Descontrole. Enfiam-se no chuveiro. Esquece o fio de cabelo grudado na parede. Ninguém repara. O marido enganado jamais desconfiaria.
Enxuga-se irritado com os próprios pensamentos. Imagina trazer alguém aqui. Porteiro veria, vizinhos veriam, gente fofoqueira e todos ficariam sabendo. Não se arriscaria assim. Mas ele, melhor amigo do marido, não haveria problema. Bobagens, pensamentos estúpidos. Ela era incapaz, mulher dedicada. Sentia-se descontrolado, pensando imagens, ouvindo sons. Mas tentava centrar-se.
Foi para a copa, onde o menino tomava café ouvindo uma dessas rádios de adolescente, cheias de música ruim e com piadinhas idiotas no intervalo. Essa era um trote. Alguém cujo apelido era alce. Insinuações de que a mulher o traia. A cidade toda sabia, menos o alce. Desligou o rádio irritado e mandou o moleque engolir o leite e ir chamando o elevador. Pegou o terno no quarto e sentiu o cheiro da mulher por todos os lados. Ele, o alce. Não, ele o paranóico, o obcecado. Ela, a dedicação em pessoa. Jamais faria isso pra ele, ainda mais pro filho, que, xingando, segurava a porta do elevador.
Largou o filho na porta da escola e dirigiu pro trabalho.
Só pensava nela. Jamais imaginou sentir-se assim. Achou que ia ser uma folga, um momento pra ficar sozinho e curtir. Talvez pôquer com os amigos, talvez futebol, quem sabe, até sinuca. Mas era pura obceção. Não tinha cabeça pra nada, nem pra enxergar o motoboy pelo retrovisor. “Corno!”. Até o motoboy sabia. Eram sinais demais, o sonho, o cabelo, a rádio, agora o motoboy. Até o casal no outdoor lembrava a mulher nos braços de outro. E aquele outro formava a silhueta do amigo. Pra que ele tinha que ter arrumado aquele emprego pra ela? Ficaria bem cuidando da casa. Não precisavam de dinheiro. Talvez já estivesse tudo combinado. Como tinha sido estúpido de cair naquela história de independência.
Entrou no estacionamento e, mais uma vez, tentou limpar os pensamentos. Era só coisa da sua cabeça. Quantos pensamentos idiotas. Balançou a cabeça negativamente e num relance viu um carro igual ao da mulher: mesmo modelo, mesma cor, mesmo adesivo da mesma concessionária. Encostado nele, um jovem casal se despedia calorosamente para começar mais um dia de trabalho. Desviou enfurecido da cena: maldita molecada sem escrúpulos. Ali era lugar? Putaria tem hora e lugar. E estacionamento de manhã não era lugar, nem hora.
Resolve fazer um teste. Sempre dava certo quando criança. Se o elevador já estiver no térreo, tá traindo. Se não estiver, num tá. Ganhou a bola de natal assim. Se o cachorro estivesse esperando no portão, ganharia, se não estivesse, não ganharia. Estava. O cachorro e o elevador. O coração apertado. Uma vontade de sumir, de sair andando e nunca mais voltar pra casa, olhar praquela cara de vadia. Ou voltar, enchê-la de porrada. Ela e o vagabundo traíra do caralho do amigo. Melhor amigo de bunda é pênis. Balançou a cabeça e virou os olhos vermelhos para os lados. Estava descontrolado. Onde já se viu acreditar numa coisa dessas? O elevador determinando a sua vida? Precisava se acalmar. Talvez pedir um suco de maracujá. Era tudo bobagem da sua cabeça.
Tentou trabalhar tranquilamente. Era impossível com tantos comentários. Parece que na novela das 8 um cara tinha descoberto que a mulher o traía. Perdoou a vagabunda. Ele jamais perdoaria. Podia ser a mais gostosa do mundo. Não perdoaria. Era outro sinal? Não, era bobagem. Novela não tem nada a ver com vida. Nem são baseadas em fatos reais. E só gente ignorante associa aquele monte de gente milionária com a sua relez condição de vida. Jamais poderia fazer tal associação.
Resolveu testar mais uma vez, talvez dessa vez tivesse sorte: se o chefe o chamasse pra almoçar, ela não estava traindo. Se não chamasse, estava. Todos os dias ele chamava pra almoçar. Impossível dar errado. Algum tempo depois o chefe avisou que precisava ir à reunião da escola do filho, talvez demorasse. Ele resolveu almoçar por ali mesmo. Pediria alguma coisa e leria o jornal. Antes de pular da janela do 11º andar.
Mais uma chance de testar a sorte, duas tudo bem, três, impossível. Ela era mulher de bem e tinha tudo em casa. Transavam divinamente. Ou diabolicamente, pensou sorrindo um riso diabólico. Não tinha motivo e tudo era bobagem de sua cabeça. Se o almoço chegasse em mais de meia hora, estava tudo certo. Ele não era traído e ela não era vaca. Se em menos tempo, tiro na cabeça. Dele, dela e do outro. Alguém já viu almoço chegar em menos de meia hora na avenida mais comercial da maior cidade da América Latina, ao meio dia? O almoço chegou quase uma hora depois. Estava tudo bem. Ela realmente era incapaz de traí-lo.
(continua...)
4 de mai. de 2009
companheiros
gosto de enroscar os dedos nos cachos dos seus cabelos
porque estou enroscada nos seus pensamentos
gosto de emoldurar seu rosto no vermelho dos meus cabelos
porque faço parte do quadro da sua existência
gosto de entrelaçar minhas pernas nas suas pernas
porque sou caminhante dos lugares por onde você andou
gosto de ouvir seu coração batendo no meu ouvido
porque ouço os sentimentos que ele tem pra me contar
gosto de olhar no fundo dos seus olhos verdes
porque vejo o que só eles são capazes de enxergar
gosto da minha boca na sua boca
porque sinto os gostos que são seus
gosto de ter você dentro de mim
porque nesse momento, eu sou você e não me falta mais nada
porque estou enroscada nos seus pensamentos
gosto de emoldurar seu rosto no vermelho dos meus cabelos
porque faço parte do quadro da sua existência
gosto de entrelaçar minhas pernas nas suas pernas
porque sou caminhante dos lugares por onde você andou
gosto de ouvir seu coração batendo no meu ouvido
porque ouço os sentimentos que ele tem pra me contar
gosto de olhar no fundo dos seus olhos verdes
porque vejo o que só eles são capazes de enxergar
gosto da minha boca na sua boca
porque sinto os gostos que são seus
gosto de ter você dentro de mim
porque nesse momento, eu sou você e não me falta mais nada
enquanto estou nos seus braços
você é o veneno que me entorpece e me distrai
todos os problemas ainda existem
todas as angústias, os desesperos, as desesperanças
tudo ainda está lá
mas já não vivo hoje esperando morrer amanhã
vivo o hoje esperando ter um amanhã
pra me distrair e me entorpecer uma vez mais
foto: companheiros, por andrérnica
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