cabelo desgrenhados e gosto de whisky voltando à boca. dormi de rímel e acordei de sombra, mais uma vez. estendo um braço. definitivamente, aquela não é minha cama. é larga demais para sê-lo. o cheiro não é meu e eu tenho certeza que, se olhar para o chão, não vou encontrar meus bichinhos de pelúcia espalhados. será que todas as noites eles simplesmente caem pelo meu sono perturbado ou, desesperadamente, fogem de mim, preferindo o abismo e o chão frio à maldade iminente que exalo nos meus sonhos? questões eternas para uma mente mal resolvida. concluo que não há nada a concluir antes que eu possa descolar meus olhos ainda fechados pelo rímel à prova d’água comprado de um catálogo por apenas R$20,00. antes de me livrar desse problema recorrente nas manhãs dos fins de semana, já tenho uma certeza: estou sozinha naquela cama que não é minha. a dor de cabeça me lembra que, mais uma vez, exagerei na bebida. tento recompor os fatos, mas, enquanto não puder abrir os olhos, resolver problemas com a amnésia alcoólica não fará muito sentido. pouco a pouco, os cílios abrem-se, desabraçando-se. com a vista ainda turva, reconheço nas paredes pintadas de amarelo e laranja e nos mosaicos mal-feitos de espelhos que aquele quarto não só não é meu, quanto não pertence a ninguém, apesar de servir a tantos: isso é um quarto de motel. ok! olhos abertos, por mais que a paisagem não seja das mais belas e que as frestas de luz que entram pela veneziana barata de alumínio incomodem ainda mais a cabeça dolorida, é hora de encarar a verdade e reconstruir, a partir dos fragmentos incertos, uma noite inteira de solteirice e incertezas.
sai de casa no sábado à tarde. acabara de acordar e tomar banho e, ainda sem tomar café-da-manhã, um telefonema me tirou de casa: “vamô no cine? ta rolando um puta filme bom! vamaí!” sem pensar direito, peguei a chave e o som do carro e, sob os lamentos da minha mãe de que sou uma turista em minha própria casa (ah, mãe! o quanto é difícil entender que estar em casa me aproxima demais da minha mediocridade que eu tanto quero esquecer?), acelerei o carro vermelho como meu esmalte, meu sapato, meu batom e minha alma, e segui ao encontro de mais uma tarde perfeita.
realmente o filme era puta bom e realmente o sol escaldante sobre o solo da grande metrópole acaba traçando o caminho de todos os jovens urbanos: um bar. não é qualquer bar, claro. afinal, sequer anoiteceu e a claridade nos faz enxergar defeitos que na escuridão da noite são imperceptíveis. para ser dignamente freqüentável, um bar deve ter papel higiênico no banheiro, mesa para sentar e cerveja gelada por R$3,00. o bar escolhido pelo acaso atendia todas as exigências e nós, cinco mulheres solteiras, poderíamos começar, ainda com o sol se pondo, a melhor noite de nossas vidas.
ainda na cama daquele quarto de motel sem localização geográfica definível, sinto-me feliz por lembrar meu nome. repetia meu nome para mim mesma desesperadamente. não que a minha identidade não fosse um problema para mim, mas, saber quem eu era é um sinal de que eu havia vindo de algum lugar e que podia seguir para outro. o cheiro do whisky que sai dos meus poros me leva a duas novas conclusões (ah! o quanto a minha vida é feita de conclusões precipitadas...): não, não é sinusite, eu bebi demais de novo e sim, é hora de levantar desse lençol barato e tomar banho.
a água que escorre pelo meu corpo leva consigo não apenas o cheiro do whisky ruim. leva também as lembranças que eu quero esquecer. por que, mesmo uma noite perfeita, traz lembranças a serem esquecidas? leva ademais a maquiagem borrada que me faz parecer um misto de urso panda com pikachú: dormi de batom e acordei de blush, mais uma vez. só não leva as marcas de sensações baratas, de filosofias abstratas, de bebedeiras irracionais e de amores inesquecíveis. é verão e eu tenho muito a contar para meus futuros netos.
a ausência deixada pelos pêlos caídos no chão do box, pela cama revirada, pelos seios marcados e pelo bilhete com um telefone e um nome sobre o criado-mudo, me levam a lembrar do texto de uma amiga talentosa, que eu li há algum tempo:
uh, i've been dirt
acetona no esmalte vermelho
água e sabão nas tatuagens de caneta bic
colírio nos olhos
água boricada no nariz
flúor nos dentes
a pílula do dia seguinte são duas e devem ser tomadas num intervalo de 12 horas entre uma e outra
agora,
coração e alma,
como se limpa?
acelero o carro à procura de uma farmácia. o esmalte vermelho ainda não precisa de acetona. as tatuagens de caneta bic ficaram naquele banheiro sujo de motel. os olhos já estão descolados e o nariz devidamente desentupido. a única limpeza do corpo que ainda falta vai começar agora, mas só termina daqui 12 horas, quando eu tomar o outro comprimido.quanto à limpeza da alma, continuo procurando-a em amigos engarrafados, enquanto minha mãe se culpa por não ter a mim em casa.
31 de jan. de 2008
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Um comentário:
um tapa na cara com luva de pelica!
quero saber agora quem disse que você não escreve bem! (como você disse no primeiro post)
bjus e boa sorte!
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